Por Patrick J. O\’Banion
Em 2017, mais de um quarto de um bilhão de pessoas em todo o mundo vivia fora de seu país de origem. Nos Estados Unidos, no Canadá e no exterior, esta é uma grande notícia – objeto de discussões políticas e debates noturnos. O movimento global de povos está no auge, tendo o Ocidente como destino preferido. Isto representa uma oportunidade sem precedentes para a igreja. Na verdade, é tão conveniente que muitos podem inicialmente não o reconhecer como um verdadeiro trabalho missionário. Mas antes de o descartar, devemos considerar como os cristãos se envolveram nesta questão no passado – tanto nossos erros quanto nossos sucessos – pois embora o número de pessoas neste movimento global seja maior do que nunca, o evangelho se espalhou para e através das comunidades da diáspora desde o início.
Quando lemos sobre a Grande Comissão de Jesus, a maioria dos cristãos norte-americanos imagina o movimento missionário moderno. Nossas mentes saltam rapidamente do primeiro século para os séculos XIX e XX, para William Carey, Hudson Taylor, David Livingstone, Amy Carmichael, Jim e Elizabeth Elliot, Eric Liddel, e muitos outros que levaram o evangelho para o exterior. Gerações de crentes ocidentais cresceram com suas histórias; suas biografias ainda moldam nossa leitura de passagens bíblicas sobre como alcançar as nações.
Mas há um tipo óbvio de miopia cronológica nesta visão de missões, já que a igreja tem enviado evangelistas e obreiros do evangelho em todos os séculos, desde o primeiro até o 21º. Há também um conceito equivocado que tem a ver com ir e vir. Levar o evangelho até os confins do mundo nunca se tratou simplesmente de que o povo de Deus vá daqui para lá; também se trata de ministrar àqueles que tem vindo de lá para cá.
De lá para cá
Atos dos apóstolos nos fala que eles pregaram, batizaram e discipularam aqueles “tementes a Deus, vindos de todas as nações do mundo” (Atos 2:5). A partir do momento em que o Espírito de Deus foi derramado sobre a igreja, os discípulos de Jesus começaram a cumprir a comissão que haviam recebido dele, ao ministrar entre a diáspora no meio deles.
Estes homens “tementes a Deus” incluíam tanto judeus quanto prosélitos que se sentiram atraídos pela religião judaica. E embora alguns desses novos convertidos vivessem dentro de Jerusalém, Lucas destaca a amplitude cosmopolita do grupo. Vinham de todo o mundo conhecido: do Oriente Próximo, Ásia Menor, Levante, Creta Mediterrânea, Norte da África, Arábia e Roma, bem como do planalto iraniano, da região do Mar Cáspio e da Mesopotâmia no Império Parto (Atos 2:9-10). Em Pentecostes, 3.000 desses peregrinos foram batizados e acrescentados à igreja.
Em vez de voltar para casa depois de Pentecostes, parece que esses novos crentes permaneceram em Jerusalém para serem discipulados. Viviam em uma comunidade próxima e se dedicavam a aprender com os apóstolos, ao companheirismo, ao partir do pão e à oração (Atos 2:42). Apesar de receberem avisos de futuras perseguições, os cristãos falaram a palavra de Deus com ousadia, ajudaram os necessitados e entre eles “era um o coração e a alma” (Atos 4:31-34).
Por mais desejável, inclusive idílica, que soe a descrição dessa igreja, sabemos que houve problemas. Entre eles se encontravam as tensões entre judeus helenistas (isto é, da diáspora de língua grega) e os judeus de língua hebraica da Palestina. Alguns destas últimas não cuidavam bem das viúvas gregas na congregação, ao mesmo tempo em que mostravam maior generosidade para com as suas próprias viúvas (Atos 6:1). Os apóstolos abordaram o problema inicialmente instruindo a congregação a escolher sete homens, que foram então separados para este trabalho diaconal. Vários eram do exterior, incluindo Nicolau, descrito como um “prosélito de Antioquia” (Atos 6:5). Os apóstolos se espalharam por toda a comunidade, incluindo aqueles que estavam em Jerusalém; todos receberam instruções dos apóstolos (Atos 2:42).
Para lá de novo
Estevão estava entre os sete que serviam na igreja e, segundo sabemos, era um poderoso evangelista. Talvez um ano depois de Pentecostes, sua prisão e martírio desencadearam uma onda de perseguição. Consequentemente, os que viviam em Jerusalém, onde haviam sido batizados e discipulados, “foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria” e levavam o evangelho enquanto “iam pregando a palavra” (Atos 8:1-4).
Entre os dispersos estava Felipe. A julgar por sua esfera posterior de ministério – Samaria e cidades marítimas como Azoto (Ashdod) e Cesareia Marítima (Atos 8:4-8, 40; 21:8) – ele pode ter sido um dos que residiam em Jerusalém, talvez um grego, judeu ou samaritano. Depois que os discípulos foram dispersos após a morte de Estêvão, Felipe levou o evangelho para Samaria. Somente mais tarde, João e Pedro viajaram para o norte para apoiar a incipiente congregação (Atos 8:14-15). Mais tarde, guiado pelo Espírito, Felipe se envolveu com a evangelização e o batismo no caminho: entregou a Cristo um eunuco etíope que, segundo sugere a tradução, levou o evangelho à África subsaariana. Portanto, os apóstolos começaram a cumprir a admoestação de Jesus para serem suas testemunhas até os confins da terra, ao ministrar aos estrangeiros da diáspora e através deles.
E estes estrangeiros se tornaram fundamentais na difusão do cristianismo entre os gentios. Em Antioquia, judeus convertidos ao cristianismo que haviam residido em Jerusalém depois de Pentecostes, “que eram de Chipre e de Cirene” no norte da África, pregavam Jesus como Senhor entre os não-judeus de fala grega. A igreja resultante foi pastoreada por um grupo de “profetas e mestres”, composto principalmente por não-nativos: Barnabé (de Chipre), Simeão por sobrenome Níger (da África), Lúcio (da Líbia), Manaém (um velho amigo de Herodes, o tetrarca), e Paulo (de Damasco). Sob sua vigilância, a igreja de Antioquia se converteu em um importante centro de atividade missionária em todo o Mediterrâneo romano, talvez até levando o cristianismo a Edesa, por onde entrou no Império Persa.
Veja outro exemplo. Os judeus romanos estavam presentes em Jerusalém para ouvir o sermão de Pentecostes de Pedro. Seguramente alguns estavam entre os batizados naquele dia, e provavelmente retornaram a Roma após a morte de Estêvão, onde o cristianismo começou a crescer entre a comunidade judaica. Em 52 d.C., o Imperador Cláudio expulsou todos os judeus de Roma, incluindo o casal que fazia barracas, Áquila e Priscilla (Atos 18:1-2). Quando Paulo chegou em Corinto, ele os encontrou e ficou com eles. Não sabemos se eram cristãos quando Paulo os encontrou, mas logo se tornaram seus colegas de trabalho. Eles viajaram para Éfeso, onde se hospedaram em sua casa por mais de três anos (1 Coríntios 16:19; Atos 20:31). Mais tarde, eles retornaram a Roma, onde hospedaram outra igreja doméstica (Romanos 16:3-5). E a maior parte da Europa recebeu o evangelho como resultado de esforços organizados de Roma.
Servindo entre as Ethne
Ministrar aos estrangeiros não era uma atividade secundária para a igreja primitiva. Os apóstolos e a primeira geração de cristãos obedeceram à Grande Comissão exercendo o ministério na diáspora. É só um pequeno exagero dizer que imaginar a igreja primitiva sem um ministério ativo da diáspora é imaginar uma igreja que ficava em Jerusalém e pregava só nas sinagogas. É imaginar uma igreja na qual Paulo precisava de uma base para as obras missionárias e na qual África, Ásia e Europa nunca receberam o evangelho. Em uma palavra, é impensável.
Continua sendo impensável para a igreja de hoje. Quer seja em casa ou no estrangeiro, Deus nos põe em contato com as nações para sermos suas testemunhas. A diáspora global que reside no meio de nós hoje é tanto um campo pronto para a colheita como uma força missionária em processo.
Patrick J. O\’Banion (PhD, Saint Louis University) é ex-professor de história e autor de vários livros, sendo o mais recente Deza and Its Moriscos: Religion and Community in Early Modern Spain (Universidade de Nebraska, 2020). Agora serve no TLI, ensinando futuros pastores e líderes de igrejas em seminários de todo o mundo.
Fonte: Training Leaders International