Por Jairo de Oliveira
Que coragem! Enfrentar em sua geração (1792) um grupo de pastores que nem sequer reconhecia a relevância da Grande Comissão não foi tarefa fácil. Contudo, William Carey, considerado o Pai das Missões Modernas, não se intimidou e encarou a batalha. Sua paixão pelo Cordeiro e sua ousadia em defesa da pregação do evangelho o conduziram em tamanho confronto. Certamente não lhe faltaram argumentos, sua resposta à questão não se limitou a uma carta ou a um sermão. Ele escreveu um livro[1] de desafio missionário que não somente respondeu aos pastores, mas produziu grande impacto em sua época, dando início ao que nós conhecemos hoje como movimento moderno de missões.
Um dos aspectos que nos surpreende na experiência de Carey é que ele não começou defendendo a causa da Grande Comissão diante da liderança de um governo, de uma classe social ou de um grupo étnico, mas da liderança de uma igreja. Não parece paradoxal alguém enfrentar um grupo de pastores a fim de convencê-los de que o evangelho deve ser anunciado aos perdidos? Não é a Bíblia um livro missionário? Não é a igreja uma agência do reino de Deus para o mundo?
De qualquer forma, a verdade é que um dos momentos mais marcantes do movimento moderno de missões aconteceu a partir de um confronto com uma liderança eclesiástica. Esse fato aponta para a evidência de que, em diversos momentos da história, convencer a Igreja de sua responsabilidade missionária tem sido um desafio maior do que convencer os povos de sua necessidade do evangelho. Na verdade, o problema é antigo. Mesmo na experiência dos apóstolos, observamos que enquanto o centurião Cornélio estava pronto para obedecer à visão celestial e receber o evangelho: “Agora pois estamos todos aqui presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto te foi ordenado pelo Senhor”(At. 10.33), a igreja primitiva ainda disputava se o evangelho deveria ou não ser anunciado aos gentios:“Ora, ouviram os apóstolos e os irmãos que estavam na Judéia que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus. E quando Pedro subiu a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão”(At 11.1,2).
O que é mais intrigante é que se a natureza da Igreja é uma natureza missionária, parece não fazer sentido que se tenha que se conscientizar a Igreja de sua responsabilidade de pregar o evangelho aos perdidos. Diante desse contra-ponto somos conduzidos a outras interrogações: o que faz a igreja se demonstrar indiferente diante da ordem divina parafazer discípulos de Cristo em todas as nações? O que será que impede a igreja de se envolver na tarefa da evangelização mundial?
Certamente não é tarefa fácil tentar responder a todos esses questionamentos. Todavia, há mais de cem anos, Andrew Murray, ao descrevera falta de envolvimento da igreja com o trabalho missionário, parecesintetizar o problema apontando para uma única resposta. No livro A Chave Para o Problema Missionárioele defende que a razão central porque os cristãos não se envolvem com a causa missionária é a falta de avivamento. Na concepção dele, se não há comprometimento com Deus, o resultado é falta de comprometimento com missões: “O entusiasmo pelo reino de Deus está faltando. E isto é porque há tão pouco entusiasmo pelo Rei”. No prefácio do mesmo livro, o pastor Edison Queiroz reforça a idéia apresentada por Murray e ao comentar sobre a vida espiritual de uma igreja ele observa: “Se tem vida, tem missões!”Considerando ainda o assunto, o pastor John Piper defende também que onde quer que a paixão por Deus seja fraca o zelo por missões terá a mesma intensidade e vice-versa.
Desta maneira, o cerne do problema quanto à obediência da Igreja em relação à Grande Comissão não é outro senão de ordem espiritual. Isso nos garante que a tarefa de proclamação do evangelho aos povos não-alcançados somente se tornará uma realidade na vida da igreja, se ela for alvo constante do avivamento divino. Afinal, se não houver paixão pelo Cordeiro, como haverá paixão pela causa do evangelho?
Não restam dúvidas de que Deus é um Deus missionário, de que a Bíblia é um livro missionário e de que a igreja é a agência do reino de Deus para as nações. Entretanto, ao encarar os desafios missionários que Deus tem confiado à nossa geração precisamos rogar ao Pai que Ele nos limpe com a Sua Palavra, que nos preencha com Seu Espírito, que nos sustente com a Sua graça e que nos use entre as nações para a glória do Seu nome.
“Aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos; fazei que ela seja conhecida no meio dos anos”(Hb. 3.2).
Jairo de Oliveira é missionário da PMI (Povos Muçulmanos Internacional) e da World Witness. Serve no Oriente Médio e é autor de vários livros, dentre eles: “Vida, ministério e desafios no campo missionário”.
Fonte: Radar Missionário