Por Sandra Mara Dantas
O século XVIII marcou o início das missões modernas, quando William Carey desafiando o pensamento evangélico do período, partiu para a Índia. Para a igreja inglesa parecia não ser preciso sair de sua “zona de conforto” para anunciar o Evangelho a povos que nunca ouviram de Jesus e da mensagem de salvação. Acreditava-se que se Deus quisesse que outros povos fossem salvos, ele dar-se-ia a conhecer por outros meios, sem necessidade da ação ou presença humana.
É certo que Deus poderia fazer isso, mas Ele não o quis. Em 1 Pe 1.12 vemos que a mensagem da graça é tão maravilhosa que os anjos desejaram compreendê-la, mas não lhes foi permitido. É um privilégio reservado aos servos de Deus, ainda que sejam humanos e suscetíveis a todo tipo de falha. E ao compreender a graça salvadora, os servos podem cumprir a Grande Comissão (Mt 28.20)
Podemos aventar que isso ocorre porque Deus é amor e este não é mero sentimento ou abstração. Amor é prática, expressa-se pela materialidade. Seres humanos dotados de racionalidade e subjetividade, de diferentes povos, estrutura e aparência físicas, cor e altura são o canal que corporifica o significado de amor, de amar. Deus é espírito e está invisível e por meio de seus servos seu amor se torna inteligível e é comunicado entre as pessoas.
Por isso, precisamos de pessoas reais para fazer a obra missionária. Ela não é feita por ‘super crentes’, perfeitas e isentas de dores (físicas e emocionais). São pessoas comuns, homens e mulheres que precisam de cuidado, de apoio, de treinamento, que saem de seu contexto cultural e linguístico, que se dispõem a viver para a glória de Deus e crer na promessa – “abre bem a tua boca, e ta encherei” (Sl 81.10)
A obra missionária é realizada por essas pessoas comuns. Há os que vão ao campo, os que sustentam, outros que intercedem e mais alguns que fornecem o suporte necessário. E em toda realidade vivenciada há desafios, obstáculos, entraves a serem superados. Por exemplo, o aprendizado de línguas nem sempre é fácil, a contextualização e adaptação cultural pressupõem familiarizar-se com o diferente, a distância e a saudade dos amados familiares e amigos, a renúncia a um projeto profissional, o suporte e o acompanhamento requerem paciência e tolerância ou mesmo sacrifícios pessoais.
Tudo isso é expressão de amor. Máquinas, equipamentos, aplicativos tecnológicos facilitam a vida humana, mas não podem materializar amor, não substituem o contato. Eles podem até promover maior possibilidade de aproximação, entretanto, não são, em si, a prática de sociabilidade, de amabilidade e de amizade.
É o humano que ama e na prática de amar, compartilha sentimentos, experiências, dores e alegrias; ouve e acolhe, aconselha, supre a necessidade emocional e orgânica de outrem, socorre, cuida, pratica boas obras, indica o caminho e caminha junto. Todas as pessoas possuem dons e quando estes são colocados à disposição do bom Deus, a fronteira do limite se esvai porque se tornam potência.
Veja quanto Deus é excelso. Em sua soberania, não necessitaria do homem, no entanto, ele o escolheu. O salmista afirma: “Que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste.
(Sl 8.4-5. Em Jó também lemos: “Que é o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas nele o teu coração”. (Jó 7.17)
Em sua graça, o poderoso Deus usa pessoas (de carne e osso, imperfeitas e limitadas), dependentes dele, para cumprir seu propósito eterno. Como escreveu Paulo: “temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós” (2 Co 4.7) visto que a missão é dele e somos cooperadores.
E se as missões modernas iniciadas por David Carey nasceram da inquietação de compartilhar com aqueles que nunca ouviram de Jesus, a mesma excitação move a obra missionária em nosso século. Ainda há milhares de povos a serem alcançados. Deus deseja que seus servos se levantem, saiam de sua “zona de conforto” e o tornem conhecido entre os povos, materializando o amor, que Ele mesmo aplicou conforme Jo 3.16 – “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Que o amor de Deus nos constranja ao ponto de nos inquietar e pôr em prática todo seu significado, tornando-o real e palpável para que os povos vejam e usufruam dessa bênção.
Fonte: Radar Missionário