Em 1994, fui obrigado a deixar meu país natal, a República Democrática do Congo. Nesta longa e árdua jornada, me perguntaram repetidamente por que sou uma das muitos milhões de pessoas que foram deslocadas à força. Quanto mais eu tento explicar e continuo a explicar até hoje, mais magoado e humilhado me sinto. Pouco peso é dado à causa raiz do meu deslocamento. Algumas vezes já fui aterrorizado, obrigado e forçado a minimizar ou distorcer as razões do meu despejo. Meu caso e muitos outros casos são simplificados ou privados de seu significado e simplesmente referidos como uma “crise de refugiados”.
Quanto aos leitores da minha história, peço-lhes amavelmente que lembrem que não sou apenas mais um número não mencionado quando a COVID-19 cobre as primeiras páginas de todos os meios de comunicação sem dedicar um único parágrafo aos refugiados e pessoas deslocadas à força. Sou um ser humano como os ricos e os pobres, atualmente trancado por medo de ser contaminado ou afligido pela perda de um ente querido. Mereço tanta proteção e dignidade quanto qualquer outra pessoa, sem importar as circunstâncias.
Mais do que perguntar o “porquê” de meus múltiplos deslocamentos em dois continentes diferentes, esta reflexão é uma narrativa da jornada de nossa família ao longo de mais de duas décadas. Vivemos e continuamos a viver através do ódio, da discriminação, do assassinato de entes queridos, do medo por nossas vidas, dos riscos de extermínio e do genocídio de minha amada comunidade. Pior agora, psicologicamente torturado pelo que aconteceria com minha família enclausurada e milhões de refugiados que já vivem em condições insalubres e superlotadas nos campos de refugiados quando eclodiu a COVID-19. Você quer que eu não me preocupe de jeito nenhum? Ou, como o Corpo de Cristo responde a este silêncio?
Na maioria dos casos, alguns governos consideram os refugiados como um fardo. Esta não é uma nova suposição e, em certa medida, certamente será quando decisões humanas e dignas não forem levadas em consideração. Estou tentando me aproximar mais da República Democrática do Congo, Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda, que estão muito relacionados com minha história de deslocamentos. Quem se importa com os milhões de refugiados alojados em diferentes campos de refugiados nesses países mencionados, quando o mundo inteiro está de joelhos por causa do medo e do esforço impotente para vencer o coronavírus? Quem pensa em nós?
Minha comunidade é chamada de Banyamulenge. Um dos principais povos ameaçados pelo genocídio. Para os Banyamulenge do Kivu do Sul (RDC), a campanha “Nunca mais” (após o genocídio de Ruanda em 1994) é apenas um slogan. Desde dezembro de 2019, a comunidade Banyamulenge já viu saquearem 120.000 dos animais entre seu gado, matarem centenas de pessoas, fazerem 300.000 pessoas serem deslocadas à força e queimarem mais de 200.000 aldeias. Essa comunidade precisa desesperada e urgentemente de suas orações e de seu apoio; mas quem se importa?
Esta reflexão nos chama, a cada um de nós como Corpo de Cristo, à ação. Devemos responder tanto individual quanto coletivamente orando ao Abba Pai para ouvir o lamento de nossos corações por cada homem, mulher, criança e bebê preciosos que tenham sido deslocados à força. Como noiva de Cristo, não podemos nos permitir ficar indiferentes. Devemos responder demonstrando o amor de Jesus e devemos aplicar princípios bíblicos em nossos comportamentos e padrões. Tomemos um momento para olharmos juntos para Levítico 24:22: “A mesma lei se aplica tanto aos israelitas de nascimento como aos estrangeiros que vivem entre vocês. Eu sou o Senhor, seu Deus”.
Existe apenas um padrão e isso simplesmente significa igualdade tanto para as pessoas deslocadas à força quanto para as comunidades de acolhimento. Isso é aplicável atualmente aos países com o maior número de refugiados? É assustador ou triste mencionar que em alguns países da região dos Grandes Lagos, onde medidas preventivas estão sendo tomadas contra a COVID-19, os líderes não mencionam de forma alguma como milhões de refugiados serão protegidos.
Em muitas ocasiões, tenho pensado comigo mesmo que provavelmente seria um hindu ou pertenceria à fé muçulmana se eu tivesse nascido na Índia. Ou talvez o bengali teria sido minha língua materna se eu tivesse nascido em Bangladesh. Com lágrimas no coração, penso no destino das tribos Dinka e Nuer do Sul do Sudão, dos Banyamulenge de Kivu do Sul, dos Rohingya ou dos sírios de Aleppo e Idlib, para citar apenas alguns. Quem dentre as tribos acima escolheu pertencer a essa história ou se originar dessas regiões dilaceradas por conflitos étnicos, religiosos ou tribais?
Desde os primeiros dias de minha infância, tenho suportado a vergonha e experimentado humilhação devido às duras normas impostas pelos países de acolhimento que deixaram a mim e à minha família esperando à margem. Tem sido difícil para mim carregar uma história manipulada e distorcida, que me obrigou a percorrer a longa rodovia dos refugiados.
Desde o dia em que fui obrigado a deixar o lugar que chamei de lar, há mais de duas décadas, a linguagem do ódio piorou no Kivu do Sul, República Democrática do Congo. Esta é uma razão permanente de meu deslocamento. Durante este tempo, o Corpo de Cristo, as organizações humanitárias e os governos têm permanecido em silêncio. Diariamente, me pergunto: “onde está a esperança?”; “Quando terminará minha viagem?” Dar uma resposta satisfatória à minha esposa e filhos continua sendo o mais difícil, não apenas para mim, mas para muitos refugiados.
Nos diferentes países de meus deslocamentos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem sido, em sua maioria, apenas um documento para ser lido em vez de praticado. Fui rejeitado por meu país de origem e considerado um cidadão de segunda classe. Quando uma parte de minha identidade é minada, o resto não pode ser digno. Amin Maaluf, um autor francês de origem libanesa, disse que a identidade não pode ser fragmentada. Ao longo da rodovia dos refugiados, não me foi permitido viver minha identidade tal e qual eu sou. A Igreja pode ouvir o clamor dos refugiados em sua terra? Como o Corpo de Cristo pode responsabilizar os legisladores por essas políticas injustas?
Se tivéssemos a possibilidade de escolher, assim como todos os demais, sem dúvida escolheríamos o melhor para nós e para nossos filhos. No primeiro dia em que pus os pés fora de meu país, devido à brutalidade da guerra, pouco sabia eu que ser refugiado viria com os aspectos mais problemáticos da vida, depois da própria guerra. O que piora tudo é quando você vive em um país que tem leis amigáveis no papel, mas opta por alienar e discriminar continuamente aqueles que voluntariamente optaram por “proteger” para não “explorar”.
A conclusão é que eu me encontrei sem um ombro no qual me apoiar. Portanto, há uma preocupação constante cheia de medo do desconhecido. Qualquer um pode acusá-lo falsamente e aproveitar-se de sua situação; pois a dura verdade é que nem a Igreja parece realmente se importar. Que medidas estão sendo tomadas para proteger 70,8 milhões de refugiados? São pessoas, não números. Eu sou um deles!
Fonte: www.refugeehighway.net